domingo, 26 de agosto de 2012

                 
                Filme do Mês - Agosto

             The Innocents- Jack Clayton




The Innocents, 1961
Realizador- Jack Clayton
Idioma- Inglês
Brasil- Os Inocentes
Portugal- Os Inocentes
Duração- 100 min, preto e branco
Atores/ Personagens principais- Deborah Kerr (Miss Giddens), Megs Jenkins (Mrs. Grose), Michael Redgrave (The Uncle), Martin Stephens (Miles), Pamela Franklin (Flora)

"Os Inocentes" foi a primeira adaptação feita para o cinema da obra de Henry James, A VOLTA DO PARAFUSO (1898).
Na propriedade vitoriana chamada Bly, a senhorita Giddens, que no romance de James não tinha seu nome citado, trabalha como preceptora dos sobrinhos de seu patrão residente em Londres, Miles e Flora.
A enorme casa isolada em meio ao campo, a solidão, a pressão da responsabilidade que tem nos ombros, começa a perturbar a governanta a qual passa a ver os fantasmas de Peter Quint e Jessel na casa.
Quint e Jessel eram respectivamente o jardineiro e a antiga preceptora, já falecidos, e os últimos a trabalhar em Bly antes da sua chegada.
As aparições são quase sempre vistas próximas às janelas e no jardim ao redor do lago.
Aos poucos, a senhorita Giddens  passa a desconfiar que as crianças também as podem ver e que agem sob influência dos fantasmas. Ela faz então sucessivas tentativas de confrontar os miúdos com a visão dos fantasmas, mas obtém respostas ambíguas e dissimuladas.
Miles,mostra-se relutante em ceder às perguntas de Miss. Giddens, o que a faz crer ainda mais na possibilidade de estar certa em suas convicções.
Como está certa de que tem razão em pensar que as crianças estão a ser influenciadas ou até mesmo "possuídas" pelos fantasmas, Miss Giddens passa a agir de acordo com seu ponto de vista, que aliás, é o único que é apresentado tanto no filme como  no livro.
Com a ajuda da senhora Grose, retira Flora da propriedade e estando a sós com Miles, tenta salvar o miúdo do que ela acredita ser uma ameaça para ele e para a propriedade.
Afinal, quando aceitou o emprego, sabia que teria total responsabilidade sobre as crianças e  Bly. 
"Os Inocentes" pode ser visto com um típico filme gótico vitoriano, com fantasmas, uma casa isolada e assombrada, onde no final o Mal é extirpado.
Também pode ser visto pelo prisma dimetralmente oposto no qual o Mal seja também uma presença em Bly, porém de carne e osso.
Seja qual for a razão que levou Miss Giddens a seguir o caminho do que ela acreditava ser a salvação da propriedade e de Miles nomeadamente, o filme é uma obra prima .
Deborah Kerr está impecável no papel. As crianças atuaram muito bem, principalmente o ator Martin Stephens que interpreta Miles.
Concebido a preto e branco, numa paisagem tipicamente gótica como manda a boa tradição vitoriana, as tomadas externas ao cair da noite são de uma beleza sombria de tira o fôlego.
Note-se a cena em que Miles está no jardim na noite em que resolve provar a Miss Giddens que é capaz de fazer " coisas corajosas" para a impressionar.
Tais cenas são mais marcantes que as cenas dos "fantasmas" propriamente ditas.
Bly vista de fora e o lago, mesmo à luz do dia tem uma atmosfera pesada, tudo parece estar prestes a desmoronar, assim como a própria Miss. Giddens.
As cenas interiores na casa, os cômodos despidos e gigantescos, sem luz elétrica, imensas janelas, o jogo de sombras, a desolação, estão perfeitamente em comunhão com o crescente estado de tensão pscológica que age como uma presença no filme  e também no livro.
Visto atentamente com o foco direcionado para o comportamento dos personagens, nota-se claramente que o título "Os Inocentes" assenta tão bem ao filme.
Creio ser um título irônico e não angelical, de inocentes os personagens não tem nada e muito menos a história.
Entre Miles e a governanta a ambiguidade e cumplicidade é levada ao extremo a ponto de confundir não só o espectador como a eles próprios.
A sexualidade e a sanidade mental de Miss Giddens é sutilmente diluída no decorrer do filme, assim como o despertar da sexualidade e a crueldade de Miles também o são.
Sem dúvida um filme para poucos.
Inesquecível e atemporal.
Um clássico!




Uma das cenas dentro da casa note-se as enormes janelas atrás.


Miles sendo observado por Peter Quint



Cena do jardim -Miles visto da janela de seu próprio quarto

Miles durante uma peça no serão.

Miss Giddens e Flora a olhar para Miss Jessel


Trailler- 1961



Os Inocentes - Documentário 



domingo, 19 de agosto de 2012



       A Volta do Parafuso- Henry James




A Volta do Parafuso, Henry James, Martin Claret, 2007, São Paulo
Título Original- The Turn of the Screw, 1898.

" Ela era jovem, inexperiente, nervosa; tinha pela frente a perspectiva de sérios deveres e grande solidão." (pág.21)

"- Eles não revelam detalhes.Apenas expressam seu pesar por não ser possível mantê-lo lá. Isso pode ter um significado- (...) Que ele pode representar um perigo para os outros alunos." (pág.29)

"Enquanto isso,Miles ergueu-se novamente com as mãos nos pequenos bolsos, dando as costas para mim- parou e olhou pela janela, através da qual, outro dia, eu tinha visto o que me atordoava.(...) E disse:
- Bem, enfim estamos sós!
-Oh, mais ou menos.-Imagino meu sorriso pálido.
- Não absolutamente. Nós não gostaríamos disso!- continuei.
- Não, suponho que não. É claro que temos os outros.
- Temos os outros, de fato.- concordei.
- Contudo, embora os tenhamos- ele devolveu, tendo ainda as mãos nos bolsos, e em pé diante de mim-eles não contam muito, não é?
Eu tentava fazer o melhor possível, mas sentia-me abatida.
- Depende do que você chama de "muito"!
- Sim- com todo o respeito- tudo depende." (pág.132/133)



A Volta do Parafuso é um dos livros de leitura obrigatória para quem se interessa pela ficção Vitoriana.
Traz uma história de fantasmas mas também um excelente thriller psicológico.Talvez a segunda vertente seja a mais indicada, uma vez que a tensão psicológica é tão forte que acaba por se tornar um personagem.
Henry James foi perfeito em criar um ambiente físico bastante favorável ao desenvolvimento da trama. Praticamente estendeu o tapete vermelho para a atmosfera ambígua instalar-se comodamente no lugar.
Uma casa de campo vitoriana isolada da cidade, com um imenso jardim à volta, um lago que o circunda...
É para este local isolado que uma jovem de vinte anos, filha de um pároco vai trabalhar como preceptora de duas crianças, Miles e Flora.
Tendo instruções bem claras de que não deve incomodar o patrão, tio das crianças, em hipótese alguma por isso ele delegou a ela poderes totais na educação das crianças e como governanta da propriedade, de nome Bly.
Quando chega a Bly, é recebida pela senhora Grose, que era então a responsável pela propriedade e tomava conta dos miúdos há anos.
E pela pequena Flora, sua futura pupila. Miles, ainda estava interno no colégio que frequentava.
Dias depois a governanta recebe uma carta do colégio a dizer que o miúdo não seria mais aceito na escola, por causar problemas a alguns colegas.
Uma vez que Miles regressa a casa, acontecimentos estranhos tem início.
As crianças começam a portar-se mau, desatentas, dissimuladas, insolentes e  porque não dizer cruéis. Miles principalmente sempre a confrontar a preceptora, depois a fazer-se de inocente e meigo confundindo-a com atitudes ambíguas.
As supostas aparições de Quint e da Senhorita Jessel antigos empregados de Bly já falecidos vem culminar na tensão e desequilíbrio da preceptora que passa a desconfiar que além dela, os miúdos também conseguem ver os fantasmas embora não o admitam, e que são influenciados por eles.
Firme nesta convicção, ela confronta-se com Miles na tentativa de obter respostas, mas a tentativa terá um final trágico.
"A Volta do Parafuso" é a volta da tensão psicológica que pode, entre outras hipóteses, levar uma pessoa à loucura.
Se lido uma segunda vez é fácil notar que isto pode perfeitamente ter acontecido com a preceptora. Ou até mesmo numa primeira leitura se o leitor distanciar-se o suficiente dos fantasmas.
O ambiente isolado, a repressão da época, as responsabilidades, o desejo de não decepcionar o patrão, tudo pode ter culminado num stress tamanho que levou-a à perda temporária da razão.
Outra forma de ver a história é acreditar que os fantasmas em Bly eram de fato, reais.
Cada volta do parafuso parece destinar-se a por os nervos da personagem em frangalhos e a meu entender, tenta também confundir sutilmente o leitor e pô-lo á prova.
Miles. Enquanto esteve no colégio nada de anormal aconteceu na casa, assim que entra em cena, coisas más começam a acontecer. Ora, segundo a idéia da preceptora, o rapaz estaria influenciado ou até mesmo possuído pelo fantasma de Quint.
Mas... e se Miles por si só fosse a encarnação do maldade? Se tivesse má índole? Se ao cabo fosse um rapaz de natureza má?
Foi expulso do colégio por molestar alguns colegas, o texto não especifica o que aconteceu, mas ele próprio confessa que dizia" coisas más" aos colegas.
Acredito que Flora, ao mudar de comportamento estaria sendo influenciada pelo irmão, e não pelos fantasmas.
Acredito que a história toda criada à volta dos fantasmas, seria uma metáfora para encobrir ou até mesmo justificar os atos perversos de Miles, inaceitáveis na Era Vitoriana.
Bem isso sou eu a viajar..

MAIS UMA VOLTA....
Lembro ainda que a história é narrada por um personagem, um amigo de um certo Douglas a um grupo de amigos numa noite de inverno. Toda ela estava
em uma carta enviada pela preceptora ao rapaz antes de morrer.
Há algumas semelhanças na relação entre Douglas/ Miles e a preceptora.
Parece um déjà vu: a mesma diferença de idade, a mesma cumplicidade,a mesma sensação desconcertante.
Estaria Miles e a governanta vivendo uma relação platónica apesar da diferença de idade?
Seria Miles o causador de toda a perturbação na senhorita? É a partir da chegada de Miles que ela começa a ver os fantasmas.
Cito uma fala de Miles já perto do final do livro que parece encaixar-se bem na ambiguidade desta história:
"- Sim- com todo respeito- tudo depende!" (pág.133)
Ao leitor amigo, aconselho e recomendo a leitura desta pequena pérola vitoriana.

The Turn of  the Screw foi adaptado para o cinema duas vezes, a primeira em 1961, com o título de The Innocents, a segunda adaptação levou o nome de "The Nightcomers", 1971, e ainda inspirou o contemporâneo "The Others", 2001.
Curiosamente, 1961, 1971 e 2001.




The Innocents- 1961





The Nightcomers- 1971




The Others- 2001









terça-feira, 14 de agosto de 2012



  O Observador de Caracóis- Patricia Highsmith





O Observador de Caracóis, Patricia Highsmith, Teorema, 2000, Lisboa.
Título Original- Eleven, 1970.



Patricia Highsmith é uma das minhas escritoras prediletas há muitos anos.
Sua escrita é mesmo claustofóbica, tensa, inesperada, sufocante. Brilhante naquilo que se propõe.
Ainda não tinha publicado nada dela aqui no Hello Clarice porque estava a espera do momento em que estivesse pronta para lançar seus livros pois pretendo fazer em breve, um mês aqui no blog só dedicado a ela.
Tipo Mês Patricia Highsmith ou assim.
Comecei por "O Observador de Caracóis" porque tenho um especial carinho por esse livro, ele tem uma história pessoal engraçada pois eu literalmente tropecei no livro.
Foi mais ou menos assim: todos os anos desde que fui viver em Braga, fazia religiosamente uma visita à Feira do Livro com minha amiga Teresa.
Em 2002, ia com o propósito de visitar o Stand da Relógio D'Água porque minha amiga estava a procura de um livro da Clarice Lispector.
Sempre saíamos de lá com algum livro, mesmo quando andávamos pela feira com os pés gelados porque o recinto não era climatizado, e resmungávamos que não tinha nada de jeito.
Ora bem, alguns Stands tinham uma carpetezinha para confortar os coitados dos representantes que deviam amargar com o frio uma vez que ficavam parados o tempo todo. 
Quando passei pelo Stand da Livraria Minho vi de relance o "Observador de Caracóis" e aproximei-me da banca e não vi a carpete, tropecei e quase caí por cima dos livros. Foi assim que trouxe para casa o livro, em Março de 2002 e a Teresa, se não me falha a memória, também levava o seu "Perto do Coração Selvagem".

O livro consta de 11 contos, daí o título original, todos muito bons, escolhi quatro para dar uma pequena amostra do que espera o leitor.

1- O Observador de Caracóis.
"Era impossível saber-se quantos eram. Mas o Sr. Knoppert contou os caracóis que dormiam e rastejavam apenas pelo tecto e chegou a qualquer coisa como mil e cem ou mil e duzentos." (pág. 18)

"Sua conta bancária a multiplicar-se tão fácil e rapidamente como seus caracóis. Contou isso á mulher e esta rejubilou muito. Até lhe perdoou a ruína do estúdio e o cheiro a estragado, o cheiro a peixe que se estava a espalhar por todo o andar de cima. "(pág. 19)


Há um ditado espanhol de que gosto muito que diz: "Cria cuervos y te sacarán los ojos"
É exatamente neste ditado que penso quando leio O Observador de caracóis.
Sr. Knoppert, empregado de escritório em ascensão na empresa em que trabalha, tinha um curioso passatempo: gostava de observar caracóis.
Transformou o estúdio de sua casa numa autêntica "chocadeira". Passava horas com os caracóis, em número cada vez mais multiplicado, á revelia de sua esposa que reclamava do mau cheiro que vinha do cômodo.
Com o aumento de trabalho no escritório, Sr. Knoppert passa dezoito dias sem pôr os pés no estúdio.
Foi então que na décima nona noite, resolve ver como estariam seus "meninos".
É aí que Patricia Highsmith até então quietinha no seu canto, como o leitor, a observar, ajuda o Sr.Knoppert a abrir a porta do seu estúdio. 
E o insólito acontece.
Devo dizer que este conto ficaria muitíssimo bem num episódio de TWILIGHT ZONE , já sei, já sei, passo a vida a falar da série.... Após a leitura do conto, vão ver que ele ficaria mesmo bem a preto e branco num episódio da série.

2- Heroína

"A rapariga estava tão certa de que obteria o lugar, que apareceu ousadamente em Westchester, com a mala de viagem." (pág. 131)

" 'Vais começar tudo do princípio, Lucille' disse para consigo mesma.' Vais ter uma vida feliz útil, a partir de agora e esquecer tudo o que ficou para trás.' " (pág. 132)

Lucille é uma senhorita de vinte e um anos que após a morte da mãe três semanas antes, vai trabalhar como preceptora em uma casa de classe alta.
Antes trabalhava para um casal sem filhos mas não correu lá muito bem.
Aos poucos o texto deixa transparecer que sua mãe tinha problemas mentais e que ela tinha receio que isso lhe ocorresse a si, com o passar do tempo.
Ora, para o leitor atento e já habituado a estas incursões pelo universo literário com pessoas um nadinha perturbadas, vai logo desconfiar que o receio de Lucille já é uma realidade.
A família Christiansen estava bastante satisfeita com seu trabalho, as crianças gostavam dela, e tinha um bom salário.
Mas, Lucille não estava ainda satisfeita, ela desejava praticar um ato heróico, grandioso, desejava salvar a família de uma catástrofe qualquer para que nunca mais  tivesse que deixar aquela casa tão linda.
Mesmo que fosse ela própria a causá-la.
Highsmith neste conto parece ter um enorme conta gotas na mão e parágrafo sim, parágrafo não, solta uma gota que salpica medo por todos os lados. Um medo instintivo, como se a cada gota lançada o leitor desse um passo para trás à medida que Lucille aproxima-se de seu propósito final.
Um texto para se ler com um chazinho ao lado da mesinha de cabeceira, de preferência "Sono tranquilo" da Lipton.

3- Quando a esquadra estava em Mobile

" Nesta manhã, depois de Clark entrar, tinha enrolado o cabelo com o ferro e executado essa tarefa como nunca na sua vida, embora soubesse muito bem o que ia fazer a Clark. E teria metido na mala o ferro de frisar?" (pág. 62)

"Sentia-se feliz como uma cotovia, naquela manhã, com os sapatos melhores, que não eram nada práticos para viajar, julgava, com as biqueiras abertas e os saltos, mas lhe davam uma dessas exaltações!" (pág.63)

"Quando a esquadra estava em Mobile" é um daqueles contos cujo final deixa no leitor um estremecimento só de imaginar o que a personagem vai passar daí para frente.
Bem ao estilo inconfundível de Patricia Highsmith tipo "por essa é que não esperavas, my friend".
Geraldine, uma esposa que durante anos foi massacrada física e psicologicamente pelo marido, Clark, decide, numa manhã ensolarada, matá-lo.
Com um tecido embebido em clorofórmio, que depois será encharcado por todo o conteúdo do frasco, Geraldine imobiliza o marido, amarra-o, faz as malas e apanha a camioneta para a cidade. Durante o caminho vai desfiando seu passado e lembra com alegria os tempos em que a esquadra esteve em Mobile, um grande acontecimento da juventude.
Geraldine sentia-se melhor que nunca naquele dia, quando chegou à pequena cidade de Alistaire onde já havia estado em criança com o pai.
Após instalar-se num hotel resolve visitar um parque de diversões, lá encontra um velho amigo de infância, Frank. Ou será que não?
Quando estiver a ler o conto, é melhor estar sentado(a)...

4- A Tartaruga

" A mãe ria alegremente, com a cabeça atirada para trás- És doente! Olha para ti! Ainda é o meu bebezinho, com calções curtinhos...Ah! Ah!"(pág.46)

"Portanto a tartaruga era para o estufado." (pág. 48)

"Viu o focinho da tartaruga, muito grande, com a boca aberta, os olhos esbugalhados e cheios de dor." (pág. 56)

Uma mãe controladora e cruel. Um rapaz com o ódio reprimido. Uma tartaruga para o jantar. A tensão a subir, como numa panela de pressão sssssssssssss.
O resultado está à vista neste fantástico conto e meu preferido dos onze.
Victor é um rapaz de onze anos tratado pela mãe como se tivesse cinco. obrigado a recitar poemas dos livros infantis que ela ilustra quando as visitas vão á casa. Além disso estava sempre a chamá-lo "doente" "atrasado", obrigava-o a usar calções curtos e outras roupas inadequadas á idade do rapaz.E o esbofeteava as vezes.
Seus amigos riam-se constantemente de seus trajes.
Um dia a mãe traz para casa uma tartaruga, Vitor descobre-a na cozinha e pensa que é um presente para si, na realidade a tartaruga seria para um estufado que a mãe serviria a uns amigos. O rapaz afeiçoa-se a tartaruga e gostaria de mostrá-la a um amigo em troca de reconhecimento. Mas a mãe faz troça da intenção do filho e o deixa magoado.
Quando ela atira abruptamente no meio de uma conversa na cozinha o animal para dentro da panela a ferver, Vitor fica estupefato ao ver o sofrimento da tartaruga e a frieza da mãe como se nada fosse. Afinal para ela era o mesmo que atirar para dentro da panela uma lagosta ou siri era a coisa certa a fazer.
Nesta noite, Vitor sentiu-se estranho, vazio, não conseguiu adormecer, a imagem da tartaruga a sofrer não lhe saía da cabeça.
O ódio que sentia pela mãe guardado, estava prestes a explodir...
Teria Vitor conseguido o autocontrole de sempre para contar até dez e esperar a adrenalina baixar?
Eis a questão. 
Tic tac tic tac tic tac....



terça-feira, 7 de agosto de 2012

Jack, o Estripador- Retrato de um Assassino -Patricia Cornwell




                                                 

Jack, o Estripador- Retrato de um Assassino, Patricia Cornwell, Editorial Presença, 2003, Lisboa
Título Original -Portrait of a Killer- Jack the Ripper, case closed, 2002.

"(...) Existiu um outro tipo interessante,que talvez queira investigar, se vai debruçar-se sobre o caso. Um pintor chamado Walter Sickert. Pintou alguns quadros com cenas dos crimes. Um deles merece especial atenção: um homem, vestido, está sentado na borda da cama onde jaz o cadáver despido da prostituta que ele acaba de assassinar. Chama-se The Camden Town Murder (Assassínio de Camden Town)" (pág.23)

"O melhor resultado foi obtido numa carta do Estripador que forneceu a sequência do ADN mitocondrial de uma única pessoa, uma amostra suficientemente bem caracterizada para permitir eliminar 99 por cento da população da lista de pessoas que lamberam e tocaram a camada adesiva do verso do selo. Sequências de ADN com este mesmo perfil foram encontradas noutra carta do Estripador e em duas cartas de Walter Sickert."(pág.24)

"Existem também outras provas de ordem física.Os especialistas forenses,bem como os peritos em pintura,em papéis e em grafologia, descobriram o seguinte: uma carta do Estripador escrita em papel de aguarela; marcas de água em papel usado em cartas do Estripador que correspondem a marcas de água de papéis usados por Sickert; cartas do Estripador com um fundo de cera mole usado em litografia; cartas do Estripador com tinta de pintura ou tinta de escrever, aplicadas a pincel. O exame microscópico revela que o 'sangue seco' que aparece nas cartas do Estripador tem a mesma composição das misturas a óleo e cera usadas em gravura e que, iluminadas com luz ultravioleta, apresentam fluorecência branco-leitosa, que tem também composição igual às das referidas misturas. Peritos em pintura afirmam que is desenhos incluídos nas cartas do Estripador são obra de um profissional e revelam as mesmas características dos quadros e da técnica de Sickert."(pág.24)

"Lilly conheceu bem Sickert até a morte dele em 1942, e muitos dos pormenores do livro dizem mais acerca do seu mentor e amigo do que ela talvez quisesse revelar.Nunca deixa de se referir às caminhadas do amigo, aos seus hábitos nocturnos, à sua mania bem conhecida de três ou quatro estúdios em simultâneo, com propósitos e endereços desconhecidos. também tem numerosas recordações da preferência de Sickert por caves escuras."Enormes,estranhas, com passagens ventosas e uma masmorra negra a seguir a outra, como numa história de horror da autoria de Edgar Allan Poe,' é como as descreve." (pág.197)

Patricia Cornwell, respeitada escritora de thrillers forenses e precursora das séries C.S.I e CRIMINAL MINDS, traça neste livro o perfil do mais famoso e intrigante serial killer de sempre: Jack, o Estripador.
Como é sabido de toda a gente, o Estripador da Londres de 1888 jamais foi encontrado embora suspeitos não faltassem na época.
O Estripador que assassinava prostitutas em Whitechapel e  as esventrava, também enviava cartas provocatórias à Scotland Yard  e as assinava como Jack, the Ripper, e assim ficou imortalizado.
Seria o nascimento de uma Lenda Urbana, se não tivesse sido tão assustadoramente real.
Ora, esse hábito de enviar cartas foi o seu calcanhar de Aquiles.
Já vamos ver porquê.
Patricia Cornwell tem seu próprio suspeito: o pintor inglês Walter Sickert. Ele já havia sido referido na época como suspeito, mas provas inconclusivas o deixaram em liberdade.
As cartas. Segundo Patricia Cornwell o DNA mitocondrial da saliva nas cartas do Estripador, elimina 99% da população na época, mas não Sickert.
Walter viveu em Londres na época dos assassinatos, em seus quadros retratava mulheres aparentemente mortas em posições quase idênticas aos crimes do estripador.
Tinha hábitos notívagos pouco comuns, tanto que sua esposa começava a questionar suas saídas noturnas e seus retornos quase sempre transtornado.
Sua caligrafia, o papel das cartas, tudo isso o colocava como suspeito. Nesta época, ainda não se falava em DNA como prova conclusiva.
Coincidências?
Bem Walter Sickert poderia gostar de pintar o macabro, assim como pessoas comuns que não são nem foram assassinos, gostam de ver filmes de terror ou ler sobre serial killers, e isso não faz delas assassinos potenciais, certo?
O papel de carta de seu uso pessoal pode perfeitamente ter coincidido com as enviadas pelo estripador, afinal, papéis de carta são vendidos em papelarias diversas, e Londres ainda que em 1888, não era propriamente uma aldeia na Cornualha não é verdade?
Os hábitos notívagos poderiam ser atribuídos simplesmente a uma vida boémia, jogos, mulheres,  embora quer me parecer que Walter fosse impotente.Quanto a chegar agitado poderia ser reflexo do álcool ou drogas talvez?
Isso tudo sou eu a especular e a servir um pouco de advogada do diabo, o que não é de todo mal pensado.
Mas para Patricia Cornwell não há cá coincidências. Ela acredita que Walter Sickert foi, de facto, o Estripador.
Em" Jack the Ripper a Portrait of a Killer case close" Patricia vai tentar provar que está certa.
Através de uma exaustiva e espetacular pesquisa, a autora usa recursos da perícia forense e também de análise comportamental, traçar o perfil do assassino e revelar sua identidade.
O livro está bem documentado mostrando seriedade no trabalho da autora.
Patricia Cornwell é muito competente a escrever ficção e não foi diferente a escrever este seu primeiro livro de não ficcional.
Se o leitor acredita ou não que Walter Sickert foi Jack, o Estripador, é irrelevante.
Somente pela pesquisa e pela excelente maneira de unir as peças do puzzle que levam a Sickert  já vale a leitura.
O livro é no mínimo interessante. Mas não se fica pelo mínimo. Não Senhor.


Walter Sickert



Os quadros que o tornaram suspeito







O famigerado "Quarto do Estripador"




Uma das cartas de Jack, o Estripador




Whitechapel  Jack's Tour




                           Os vídeos da pesquisa para o livro
                           O primeiro da sequência de 6 vídeos


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

                     
                       Crônicas Obscuras


           O Cavaleiro das Trevas Ressurge 
           A Performance do Coringa


Sempre gostei do Batman. Quando criança achava e ainda acho o Super Homem um tanto sem graça mas sei que tem uma legião de fãs. Assim como o Batman. E fãs ás vezes podem ser perigosos
Assisti BATMAN BEGINS e O CAVALEIRO DAS TREVAS no cinema.Depois, como fã de carteirinha, comprei os filmes. Revejo-os uma vez ao ano, mais coisa menos coisa.
Na televisão vi os "Batmans" todos, desde os realizados por Tim Burton até os de Joel Shumacher.
Mas só comprei os realizados por Christopher Nolan.
Na minha opinião, foram os melhores, deram ao personagem uma consistência forte, mais adulta e também mais violenta.
BATMAN BEGINS mudou completamente minha visão do personagem, ainda romantizada e um tanto tosca vá, de filmes anteriores.
O CAVALEIRO DAS TREVAS foi uma sequência espetacular. Heath Ledger redimensionou recriou o Coringa.
Não vi ainda O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE. Mas li a respeito e assisti aos vídeos promocionais.
Também li sobre o que aconteceu na estréia do filme em Aurora, Colorado.
Ato lamentável sem dúvida.
Lamentável também que a mídia tenha deitado as culpas ao filme, num primeiro momento. Porque assim como Kubrick, acredito que um filme por si só não tem um poder de influência assim tão grandioso que possa fazer com que alguém saia por aí a disparar na platéia do cinema ou seja lá onde for.
Um dia depois da notícia sair nos jornais ficamos a saber que na casa de James Holmes, estudante de neurociência, 24 anos, autor dos disparos na estréia do filme em Aurora, havia uma quantidade considerável de explosivos.
Num terceiro dia ficamos a saber que o jovem estava em tratamento psiquiátrico e tinha enviado esboços à sua psiquiatra sobre o que pretendia fazer. 
Como um conta gotas vamos sabendo que afinal James tinha lá seus problemas.
Ele não era o personagem que se dizia ser na altura dos disparos, não era o Coringa. Era um rapaz de 24 anos armado até os dentes  que matou 12 pessoas e feriu 58. Fora os estragos emocionais que causou nas pessoas que lá estavam.
Não sabemos o que se passou na cabeça dele para fazer o que fez. Ás tantas
naquele momento era mesmo o Coringa. Que saltou do filme anterior, vestido como o vilão do filme atual, fez sua curta performance e saiu de cena.
No dia em que foi formalmente acusado, James Holmes não tinha o sorriso do Coringa no rosto. 
Caso o Coringa estivesse no tribunal talvez lhe fizesse a pergunta: "Why you're so serious?" E soltaria a gargalhada de sempre.
Mas a pergunta que todos gostaríamos de fazer é "Why, James?".
James Holmes será sentenciado como homem, não como personagem.
Fico a pensar num tempo em que as armas com que crianças brincavam era o dedo indicador e  o polegar em L e o grito a plenos pulmões: BUM! E ninguém morria, e as crianças podiam ser quem quisessem ser.



quarta-feira, 1 de agosto de 2012



           A Hora do Vampiro- Stephen King




A Hora do Vampiro, Stephen King, Objetiva, 2010, Rio de Janeiro.
Título original- Salem's Lot, 1975.


"Jerusalem's Lot- Jerusalem's Lot é uma cidadezinha ao leste de Cumberland e a 30 quilômetros ao norte de Portland. Não é a primeira cidade  da história americana a sumir do mapa, e provavelmente não será a última, mas é uma das mais estranhas." (pág.17)


" A história de Hubert Marsten e sua mulher, Birdie, era a mancha da cidade, ou o que mais se aproximava disso." (pág. 56)


"(...) A porta se escancarou. E lá estava Hubie, pendurado na viga, a silhueta recortada contra a luz da janela." (pág.61)

" A quele escritor, Mears, procurou-o havia uma semana e meia perguntando se a Casa Marsten estava para alugar e o olhara de um modo estranho quando  lhe disse que fora vendida." (pág.98)


" O cartaz em si era bastante comum e mais discreto que a maioria. dizia apenas: "Abriremos em uma semana.Barlow & Straker. Móveis finos e antiguidades. Venha nos conhecer." (pág.98)


Stephen King. Ponto.
Digam o que disserem as más línguas literárias, ele é um exímio contador de histórias. Venha quem vier.
Quando os genéricos avisam: " da mente de Stephen King...." sempre haverá uma boa história par ser lida.
Os livros de King transportam-me para aquelas cidadezinhas americanas com miúdos e suas bicicletas, escola, neve, Cafés com bancos de estofos vermelhos, coisas assim. O terror e o medo vem de brinde, não é o principal. Há sempre uma boa história por trás.
São cidadezinhas como Derry, Castle Rocky e... Salem's Lot!
"A Hora do Vampiro" é um livro sobre medos e fraquezas, sobre segredos guardados, e de como um convite a um hóspede sinistro semeou um rasto de mortes inexplicáveis e fez Jerusalem's Lot desaparecer do mapa por assim dizer.
Salem's Lot é uma pequena cidade da Nova Inglaterra, para onde o escritor Ben Mears regressa para escrever um novo livro e espantar os fantasmas de sua infância.
Quando era um garoto, foi desfiado pelos amigos a entrar sozinho na Mansão Marsten  e quando lá entrou encontrou o corpo do Sr, Hubert, enforcado. Suicídio.
Sua intenção, quando chega a cidade, é alugar a Casa Marsten durante o tempo que permanecesse na cidade, mas descobre que fora vendida a dois senhores forasteiros, donos de uma loja de antiguidades e móveis, Barlow, que até então não tinha sido visto, e seu amigo o senhor Straker.
Uma curiosa caixa de madeira em tamanho natural e extremamente pesada  é entregue na Casa Marsten juntamente com os pertences do senhor Straker. Os entregadores espalham a notícia pela cidade.
Quando Ben instala-se na pensão de Eva Norton única pensão da cidade, retoma a amizade com Susan e Matt Burke. Também o menino Mark, aficcionado pelas histórias de terror tem uma participação ativa no decorrer da narrativa.
A pacata cidade torna-se cenário de misteriosas mortes, alguns moradores com um estranho comportamento começam a chamar a atenção do escritor.
Benjamin Mears acha que Barlow está envolvido nas mortes e nos acontecimentos estranhos cada vez mais frequentes. 
Passa a suspeitar pela natureza das mortes, que Barlow possa ser um vampiro ou coisa semelhante.
Para além de Susan e Matt, Ben partilha suas suspeitas com o padre Callahan e com o médico da cidade.
Juntamente com o corajoso Mark, vão lutar contra o poderoso Barlow pela sobrevivência em salem's Lot.
"A Hora do Vampiro" é um livro bastante acessível, o segundo escrito por King, enredo dinâmico e bem escrito.
O autor descreve muito bem a pictórica Jerusalem's Lot e seus personagens são cativantes.
Para quem já leu Dracula de Bram Stocker, vai notar paralelismos entre Ben/Susan e Arthur/Lucy.
Considerado o trabalho mais sério sobre vampiros depois de Stocker, o livro de King é leitura obrigatória nessas andanças pelo mundo da literatura de terror e fant´stico.
Quando o livro termina, fiquei a pensar no que teria sido feito dos que sobreviveram e como estaria a cidadezinha depois de tudo o que aconteceu.
Também fico a pensar que o Mal está em toda a parte, até mesmo em uma  simpática cidadezinha que nada fez para ser escolhida como morada de um ser maléfico, Barlow. Apenas estava lá.
Se o leitor estiver interessado em uma boa história, "A Hora do Vampiro" é um bom começo.
Ah, e se o leitor viver em uma pequena e pacata cidade, cuidadinho ao sair depois das 19 horas... Oficialmente,é a hora do vampiro. Se for inverno ou outono, um cachecol grosso e bem atado ao pescoço é um bom acessório.
Se for verão ou primavera, fique em casa. Vá ler um livro, ver um filme, jogar Scrabble... É melhor.


CURIOSIDADE 
Stephen King pensou em escrever a continuação de Salem's Lot, segundo o especialista Stephen J. Spignesi em seu livro O Essencial de Stephen King mas depois desistiu e iniciou outros projetos. Sua idéia era: "Eu penso muito em uma sequência. Eu até mesmo sei quem estaria presente nela e como ela começaria...Padre Callahan. Sei onde ele está..Ele foi para a cidade de Nova York e de lá ele se desloca pelo país e termina em Detroit.Ele está na cidade gerenciando um abrigo para alcoólatras.E foi atacado algumas vezes e as pessoas pensam que ele é louco.Ele não usa mais o colarinho branco mas está tentando fazer as pazes com Deus.Então um dia chega esse cara. Ele está morrendo e diz 'Tenho que conversar com você, Padre Callahan'. E Callahan diz ' Não sou mais um padre e como você sabia disso?' [ Enquanto o homem está morrendo], a última coisa que ele diz, ao mesmo tempo em que agarra Callhan pela camisa e o aproxima de seu hálito de cerveja, uísque e vômito...é 'Ainda não acabou em Lot'. Então ele cai morto."
Quem aproveitou essa idéia foi Mikael Salomon o realizador de A Mansão Marsten, porque é exatamente assim que o filme começa.

O livro teve duas adaptações, uma em 1979 e a outra em 2004.
A adaptação de 1979, a minha preferida, foi pelas mãos  de Tobe Hooper que transformou Salem's Lot em um telefilme.
Em 2004 Michael Salomon transformou Hutger Hauer  no vampiro Barlow e não poderia ter escolhido melhor; e diga-se de passagem que Donald Sutherland como Stracker também não está nada mal, só aquele olhar e a voz do ator compõem bem o personagem. Telefilme também, é o remake de Hooper.




Salem's Lot, 1979






Salem's Lot, 2004