terça-feira, 14 de agosto de 2012



  O Observador de Caracóis- Patricia Highsmith





O Observador de Caracóis, Patricia Highsmith, Teorema, 2000, Lisboa.
Título Original- Eleven, 1970.



Patricia Highsmith é uma das minhas escritoras prediletas há muitos anos.
Sua escrita é mesmo claustofóbica, tensa, inesperada, sufocante. Brilhante naquilo que se propõe.
Ainda não tinha publicado nada dela aqui no Hello Clarice porque estava a espera do momento em que estivesse pronta para lançar seus livros pois pretendo fazer em breve, um mês aqui no blog só dedicado a ela.
Tipo Mês Patricia Highsmith ou assim.
Comecei por "O Observador de Caracóis" porque tenho um especial carinho por esse livro, ele tem uma história pessoal engraçada pois eu literalmente tropecei no livro.
Foi mais ou menos assim: todos os anos desde que fui viver em Braga, fazia religiosamente uma visita à Feira do Livro com minha amiga Teresa.
Em 2002, ia com o propósito de visitar o Stand da Relógio D'Água porque minha amiga estava a procura de um livro da Clarice Lispector.
Sempre saíamos de lá com algum livro, mesmo quando andávamos pela feira com os pés gelados porque o recinto não era climatizado, e resmungávamos que não tinha nada de jeito.
Ora bem, alguns Stands tinham uma carpetezinha para confortar os coitados dos representantes que deviam amargar com o frio uma vez que ficavam parados o tempo todo. 
Quando passei pelo Stand da Livraria Minho vi de relance o "Observador de Caracóis" e aproximei-me da banca e não vi a carpete, tropecei e quase caí por cima dos livros. Foi assim que trouxe para casa o livro, em Março de 2002 e a Teresa, se não me falha a memória, também levava o seu "Perto do Coração Selvagem".

O livro consta de 11 contos, daí o título original, todos muito bons, escolhi quatro para dar uma pequena amostra do que espera o leitor.

1- O Observador de Caracóis.
"Era impossível saber-se quantos eram. Mas o Sr. Knoppert contou os caracóis que dormiam e rastejavam apenas pelo tecto e chegou a qualquer coisa como mil e cem ou mil e duzentos." (pág. 18)

"Sua conta bancária a multiplicar-se tão fácil e rapidamente como seus caracóis. Contou isso á mulher e esta rejubilou muito. Até lhe perdoou a ruína do estúdio e o cheiro a estragado, o cheiro a peixe que se estava a espalhar por todo o andar de cima. "(pág. 19)


Há um ditado espanhol de que gosto muito que diz: "Cria cuervos y te sacarán los ojos"
É exatamente neste ditado que penso quando leio O Observador de caracóis.
Sr. Knoppert, empregado de escritório em ascensão na empresa em que trabalha, tinha um curioso passatempo: gostava de observar caracóis.
Transformou o estúdio de sua casa numa autêntica "chocadeira". Passava horas com os caracóis, em número cada vez mais multiplicado, á revelia de sua esposa que reclamava do mau cheiro que vinha do cômodo.
Com o aumento de trabalho no escritório, Sr. Knoppert passa dezoito dias sem pôr os pés no estúdio.
Foi então que na décima nona noite, resolve ver como estariam seus "meninos".
É aí que Patricia Highsmith até então quietinha no seu canto, como o leitor, a observar, ajuda o Sr.Knoppert a abrir a porta do seu estúdio. 
E o insólito acontece.
Devo dizer que este conto ficaria muitíssimo bem num episódio de TWILIGHT ZONE , já sei, já sei, passo a vida a falar da série.... Após a leitura do conto, vão ver que ele ficaria mesmo bem a preto e branco num episódio da série.

2- Heroína

"A rapariga estava tão certa de que obteria o lugar, que apareceu ousadamente em Westchester, com a mala de viagem." (pág. 131)

" 'Vais começar tudo do princípio, Lucille' disse para consigo mesma.' Vais ter uma vida feliz útil, a partir de agora e esquecer tudo o que ficou para trás.' " (pág. 132)

Lucille é uma senhorita de vinte e um anos que após a morte da mãe três semanas antes, vai trabalhar como preceptora em uma casa de classe alta.
Antes trabalhava para um casal sem filhos mas não correu lá muito bem.
Aos poucos o texto deixa transparecer que sua mãe tinha problemas mentais e que ela tinha receio que isso lhe ocorresse a si, com o passar do tempo.
Ora, para o leitor atento e já habituado a estas incursões pelo universo literário com pessoas um nadinha perturbadas, vai logo desconfiar que o receio de Lucille já é uma realidade.
A família Christiansen estava bastante satisfeita com seu trabalho, as crianças gostavam dela, e tinha um bom salário.
Mas, Lucille não estava ainda satisfeita, ela desejava praticar um ato heróico, grandioso, desejava salvar a família de uma catástrofe qualquer para que nunca mais  tivesse que deixar aquela casa tão linda.
Mesmo que fosse ela própria a causá-la.
Highsmith neste conto parece ter um enorme conta gotas na mão e parágrafo sim, parágrafo não, solta uma gota que salpica medo por todos os lados. Um medo instintivo, como se a cada gota lançada o leitor desse um passo para trás à medida que Lucille aproxima-se de seu propósito final.
Um texto para se ler com um chazinho ao lado da mesinha de cabeceira, de preferência "Sono tranquilo" da Lipton.

3- Quando a esquadra estava em Mobile

" Nesta manhã, depois de Clark entrar, tinha enrolado o cabelo com o ferro e executado essa tarefa como nunca na sua vida, embora soubesse muito bem o que ia fazer a Clark. E teria metido na mala o ferro de frisar?" (pág. 62)

"Sentia-se feliz como uma cotovia, naquela manhã, com os sapatos melhores, que não eram nada práticos para viajar, julgava, com as biqueiras abertas e os saltos, mas lhe davam uma dessas exaltações!" (pág.63)

"Quando a esquadra estava em Mobile" é um daqueles contos cujo final deixa no leitor um estremecimento só de imaginar o que a personagem vai passar daí para frente.
Bem ao estilo inconfundível de Patricia Highsmith tipo "por essa é que não esperavas, my friend".
Geraldine, uma esposa que durante anos foi massacrada física e psicologicamente pelo marido, Clark, decide, numa manhã ensolarada, matá-lo.
Com um tecido embebido em clorofórmio, que depois será encharcado por todo o conteúdo do frasco, Geraldine imobiliza o marido, amarra-o, faz as malas e apanha a camioneta para a cidade. Durante o caminho vai desfiando seu passado e lembra com alegria os tempos em que a esquadra esteve em Mobile, um grande acontecimento da juventude.
Geraldine sentia-se melhor que nunca naquele dia, quando chegou à pequena cidade de Alistaire onde já havia estado em criança com o pai.
Após instalar-se num hotel resolve visitar um parque de diversões, lá encontra um velho amigo de infância, Frank. Ou será que não?
Quando estiver a ler o conto, é melhor estar sentado(a)...

4- A Tartaruga

" A mãe ria alegremente, com a cabeça atirada para trás- És doente! Olha para ti! Ainda é o meu bebezinho, com calções curtinhos...Ah! Ah!"(pág.46)

"Portanto a tartaruga era para o estufado." (pág. 48)

"Viu o focinho da tartaruga, muito grande, com a boca aberta, os olhos esbugalhados e cheios de dor." (pág. 56)

Uma mãe controladora e cruel. Um rapaz com o ódio reprimido. Uma tartaruga para o jantar. A tensão a subir, como numa panela de pressão sssssssssssss.
O resultado está à vista neste fantástico conto e meu preferido dos onze.
Victor é um rapaz de onze anos tratado pela mãe como se tivesse cinco. obrigado a recitar poemas dos livros infantis que ela ilustra quando as visitas vão á casa. Além disso estava sempre a chamá-lo "doente" "atrasado", obrigava-o a usar calções curtos e outras roupas inadequadas á idade do rapaz.E o esbofeteava as vezes.
Seus amigos riam-se constantemente de seus trajes.
Um dia a mãe traz para casa uma tartaruga, Vitor descobre-a na cozinha e pensa que é um presente para si, na realidade a tartaruga seria para um estufado que a mãe serviria a uns amigos. O rapaz afeiçoa-se a tartaruga e gostaria de mostrá-la a um amigo em troca de reconhecimento. Mas a mãe faz troça da intenção do filho e o deixa magoado.
Quando ela atira abruptamente no meio de uma conversa na cozinha o animal para dentro da panela a ferver, Vitor fica estupefato ao ver o sofrimento da tartaruga e a frieza da mãe como se nada fosse. Afinal para ela era o mesmo que atirar para dentro da panela uma lagosta ou siri era a coisa certa a fazer.
Nesta noite, Vitor sentiu-se estranho, vazio, não conseguiu adormecer, a imagem da tartaruga a sofrer não lhe saía da cabeça.
O ódio que sentia pela mãe guardado, estava prestes a explodir...
Teria Vitor conseguido o autocontrole de sempre para contar até dez e esperar a adrenalina baixar?
Eis a questão. 
Tic tac tic tac tic tac....



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